A Teoria da Educação para o Clínico

Estamos às vésperas de mais um COBEM – Congresso Brasileiro de Educação Médica – que esse ano chega à sua 53ª edição, trazendo o tema: “Educação Médica e Cuidados na Saúde: Uma Rede em Movimento”.

Todo ano temos mais uma edição desse importante meio de discussão à respeito do modo como podemos melhorar a educação médica brasileira. Entra ano e sai ano, temos mais um COBEM, mas parece que muito pouco avançamos. A percepção é de que o ensino médico continua engessado, parado no tempo. Currículos defasados; métodos de ensino ineficientes; professores doutores leitores de slides; carga horária excruciante com pouco tempo para o estudo livre; atividades extracurriculares não valorizadas; pesquisa, iniciação científica relevadas a um segundo plano; provas que englobam puro decoreba; pouca valorização da prática. E, para fechar esse panorama, provas de residência, cerejas desse bolo, que basicamente reforçam tudo o que há de ruim no ensino médico.

Mais do que apenas criticar, no entanto, o TraumaOne preparou um presente para todos os educadores, professores, acadêmicos de medicina, médicos, residentes, preceptores e staffs que de uma forma ou de outra estão incluídos nesse processo mágico que é o ensino da Medicina.

Realizamos a tradução da transcrição de uma palestra ministrada pelo Professor Jonathan Sherbino durante o congresso SMACC – Social Media and Critical Care – que busca subverter o modo tradicionalista das conferências médicas e divulgar a filosofia FOAM – Free Open Access Meducation. O TraumaOne estará no #smaccDUB, que será realizado ano que vem em Dublin, trazendo as novidades na íntegra aqui no blog.

Jonathan Sherbino, MD, MEd, FRCPC, FAcadMEd é professor associado de Medicina de Emergência da Universidade de McMaster no Canadá, é Cientista Adjunto do Program for Education Research & Development e Educador Clínico Sênior do The Royal College Physicians & Surgeons of Canada, além de editor associado para educação do Canadian Journal of Emergency Medicine.

Sua palestra, na íntegra, encontra-se no Intensive Care Network.

E a transcrição, aqui apresentada traduzida de maneira livre, encontra-se no seu blog.


A TEORIA DA EDUCAÇÃO PARA O CLÍNICO

por Jonathan Sherbino

“É uma tarefa boba destilar o campo da educação médica e a disciplina de psicologia cognitiva em uma lista com Top 10 teorias essenciais. É normal pedir para um intensivista listar 10 diagnósticos possíveis que abrangem sua prática. Ainda assim, é exatamente isso que vamos desconstruir hoje. Então, para a surpresa e absurdo de todos, aqui está um Top 9…

COMO APRENDEMOS

  1. Conhecimento é construído, não transferido

Como educadores clínicos, muitos dos nossos métodos de ensino assumem que nós precisamos apenas entregar dados por meio de palestras, slides, vídeos, ect. que seriam simplesmente baixados (downloaded) na mente dos nossos alunos. Essa analogia infeliz com a ciência da computação (que ironicamente, rapidamente tenta adotar a razão humana por meio da criação da inteligência artificial) já caiu por terra há muito tempo. O aprendizado NÃO é uma função de “drag ‘n drop”, copiar e colar. Pelo contrário, o aprendizado envolve:

  • Estímulo
  • Codificação
  • Recuperação

A teoria modal da memória (Atkinson & Shriff) sugere que a memória é construída via uma série de caches ou de armazéns. Uma grande quantidade de estímulos ambientais são processados inconscientemente por um armazém sensório (com cada sentido tendo um armazém próprio). A atenção a um estímulo pela “memória de curta duração” permite a codificação em uma memória de longa duração, onde o conhecimento é predominantemente construído de um modo semântico.

Baddeley & Hitch avançaram com a teoria de memória de curta duração (renomeada à memória de trabalho) para mais eficaz e efetivamente explicar o fenômeno observado.

Certamente ainda existem teorias que competem entre si de como a memória funciona. A teoria modal da memória é frequentemente criticada por seu design simplista/linear. No entanto, o ponto principal é que cada aluno constrói de forma ÚNICA o conhecimento (função da representação semântica).

  1. Conhecimento é construído socialmente

O trabalho influente de Berger & Luckman sugere que, em todas as facetas da vida (e certamente relevante no ambiente multidisciplinar dos profissionais de saúde e sua educação), nossos ambientes sociais (profissionais e grupos de convivência) influenciam nossa atenção, percepção, codificação e representação semântica do conhecimento. Mas será que realmente existe uma verdade universal? Talvez se perguntarmos a Descartes? Essa é uma polêmica que eu não vou entrar aqui nessa palestra.

  1. Flash cards (relembrar) são o modo mais eficaz de estudar

Essa informação está destrinchada no episódio 10 do Podcast KeyLIME (Key Literature in Medical Education) onde há a discussão sobre o artigo de Karpicke e colegas: “Retrieval Practise Produces More Learning than Elaborative Studying with Concept Mapping”.

COMO NÓS ENSINAMOS

  1. Sequenciar informação é a chave

Ao contrário da opinião geral, palestras não são uma coisa ruim. Palestras podem promover uma estrutura organizacional para tópicos complexos e ajudar a moldar o aprendizado futuro. Palestras podem também induzir uma conexão emocional entre um público e uma ideia, como um meio para efetuar uma mudança. Para que esses aspectos da palestra sejam alcançados, o sequenciamento da informação precisa ser levado em conta.

Primeiro, o “serial position effect” ou efeito de posição seriada, sugere que itens que são abordados no começo e no fim de uma série são mais bem relembrados.

Segundo, o efeito de von Restorff sugere que itens inusitados são melhor relembrados.

Então, se você sequencia a entrega de informações em pequenas partes, com “Wake ups” cognitivos – despertares cognitivos – (itens inusitados), você será um palestrante mais bem efetivo. TED descobriu isso (ou melhor, roubou a ideia de pastores evangélicos) quando eles limitaram as palestras a 15 minutos e integraram com vinhetas interativas durante a narrativa.

  1. Ativação Emocional é a Chave. Nem muito, nem necessariamente apenas positiva.

Posner, Russel & Peterson em um artigo de revisão (publicado na ameaçadora revista Development and Psychopathology) sugerem que excitação /ativação são necessárias para otimizar o aprendizado. O aprendizado pode ocorrer em valências positivas e negativas (tipos de emoção, por exemplo). Em outras palavras, faça com que seus ouvintes estejam engajados (excitados ou estressados) mas não abuse tanto de forma que eles fiquem emocionalmente saturados e incapazes de aprender. Existe uma base neurofisiológica para isso, mas está além do escopo desse post. (Papo sobre dopamina, cortisol, ect.)

  1. Construa sua aula de uma forma espiral; fortaleça-a em experiências autênticas

O modelo experimental do aprendizado de Kolb sugere que experiências autênticas são mais impactantes que abstratas. Além disso, uma experiência serve de base para a próxima, resultando em um maior “insight” e maior profundidade do entendimento. A ênfase no aprendizado baseado no trabalho pela educação médica baseada em competências é fortemente influenciada por esse princípio.

MITOS

  1. Estilos de aprendizado precisam ser abordados

Na verdade, provavelmente os professores devem ignorar estilos de aprendizado. [O que são estilos de aprendizado? Aquela história de: eu sou mais visual, fulano é melhor lendo, outro é melhor ouvindo] Certamente, um currículo efetivo (ou palestra, por exemplo) empregam várias técnicas para atingir o público (como demonstrado nos itens #4 e #5 acima). Entretanto, a busca por um método institucional feito sob medida para determinado estilo de aprendizado declarado, será um péssimo investimento.

Pontos-chaves incluem:

  • Diferenças na cognição são contínuas, não são nominais ou categóricas como sugerido pelos estilos de aprendizado
  • Existem mais de 70 estilos de aprendizado descritos. Diferenciação dentre essa classificação excessiva não é prático
  • Dados que apoiam os estilos de aprendizado são predominantemente baseados em self-reports ou dados retrospectivos
  • Não existe correlação forte entre a correspondência ao estilo de aprendizado por métodos de ensino e resultados

Para mais nesse tópico, confira o episódio 51 do podcast KeyLIME onde o artigo: “Do Learners Really Know Best? Urban Legends in Education.” por Kirschner e colegas.

  1. Multi-tasking melhora eficiência (e é um atributo dos Homo zappiens, nativos digitais).

A atenção consciente a duas tarefas complexas, simultaneamente, não é possível. A capacidade da memória de trabalho (memória de curta duração) (capaz de segurar 7 +/- 2 itens, sugerida por Miller) é rapidamente saturada. Antes, quando colocado frente à múltiplas tarefas, apenas uma pode ser conscientemente atendida, enquanto a outra é autômata. Para duas tarefas complexas serem concluídas simultaneamente, alternância rápida entre elas é necessária. Esse processo rapidamente introduz erro na equação. Então, mandar um wpp para um amigo durante uma reunião de grupo (duas tarefas complexas) significa que uma ou ambas as tarefas sofrem (e é sempre a participação na reunião que sofre mais).

  1. A Teoria do Aprendizado do Adulto é uma teoria verdadeira

A Teoria do Aprendizado do Adulto, influenciada fortemente por Malcolm Knowles, sugere que adultos têm habilidades e capacidades únicas que precisam ser levadas em conta pelo currículo. O problema é que essas afirmações não são apoiadas por evidência empírica. Pelo contrário, adultos e crianças são de difícil distinção em termos de processos cognitivos ou de aprendizado. Educadores Clínicos, eu inclusive, iríamos fazer bem de seguir a literatura da educação geral (ensinos fundamental e médio) para compartilhar sobre como realizamos a educação médica na graduação e na pós-graduação.

Para uma maior discussão a respeito da Teoria do Aprendizado do Adulto, confira esse link.

Para uma excelente revisão de uma gama de teorias do aprendizado relevantes para a educação dos profissionais de saúde, Regehr e Norman nos proporcionam uma sensacional narrativa de revisão.”


Eu gostaria que essa palestra fosse obrigatória para todos os professores das faculdades de medicina do Brasil.

A mudança na educação médica brasileira é imprescindível e urgente. Acima de tudo, como disse Gandhi, precisamos ser a mudança que queremos ser no mundo. Quando formos apresentar um trabalho ou seminário, preparar uma aula, precisamos pensar em fazer diferente. Não em copiar métodos engessados e tradicionais. Inovar para proporcionar a mudança!

“Education is not the filling of a pail, but the lighting of a fire.” – Willian Buttler Yeats

Qual a sua opinião?