Ketamina é Remédio!

Ketamina ou Cetamina é remédio! Essa é a campanha liderada pela WFSA – World Federation of Societies of Anaesthesiologists (Federação Mundial das Sociedades de Anestesiologistas) em virtude das recentes ameaças que estão surgindo sobre o status e a classificação da Ketamina.

A comissão da ONU em Narcóticos e Drogas (CND) se reunirá agora em dezembro de 2015 e março de 2016 para a votar sobre o “enquadramento” do medicamento no grupo de drogas psicotrópicas, iniciando processos de proibição e limitação de comercialização em âmbito global. Além disso, haverá uma outra assembleia especial da ONU sobre o problema mundial das drogas (UNGASS) em abril de 2016 que discutirá a classificação da Ketamina, impactando diretamente nesse processo.

Muitos advogam que a Ketamina é uma droga que causa abuso, dependência e dano. Ela tem usos abusivos documentados desde os anos 80 e tem sido incluída em muitas enquetes como de uso recreacional. Em 2014 uma pesquisa da Global Drug Survey em vários países, demonstrou que, de uma lista de 20 drogas ilícitas, o uso da Ketamina ocupava apenas a 16ª posição. Contudo, em diversas nações entrevistadas ela nem sequer entrava na lista. Somente um número muito pequeno de casos foram relatados na literatura sobre dependência à droga, estudos esses que foram examinados pelo comitê expert de drogas e dependência (ECDD) da World Health Organization – WHO . O ECDD examinou a Ketamina 3 vezes, em 2006, 2012 e 2014 e sempre foi contra colocar a Ketamina sobre restrição, pois concluíram que seu abuso não causava danos suficientes em termos de saúde pública.

A Ketamina é um remédio essencial. Em muitos países do mundo, principalmente nos mais pobres, ela é o único anestésico disponível. Sua versatilidade e capacidade de uso sem necessidade de monitorização, oxigênio, eletricidade e treinamento muito especializado a transformam em uma droga fundamental em regiões de conflito, desastres, em países extremamente pobres ou hospitais muito precários. Já foi provado que a Ketamina não provoca depressão respiratória nem causa diminuição da pressão sanguínea, sendo intensamente segura em pacientes vítimas de trauma e choque hipovolêmico ou pacientes em choque séptico.

Uma pesquisa recente demonstrou que a Ketamina está disponível em 70% dos países de baixa e média renda (PBMR), sendo mais acessível que qualquer outro anestésico ou equipamento.

Desde 1985 a Ketamina está na lista dos medicamentos essenciais da WHO. Desde 2010 faz parte dos “International Standards for Safe Practise in Anaesthesia” e ela é o anestésico de escolha para grandes cirurgias nos manuais de Cirurgia de Guerra do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (IRCC).

O que essa restrição da ONU significaria? Significaria que apenas hospitais governamentais poderiam importar o medicamento, o que se traduz na perda ao acesso a esse remédio por parte de um grande número de profissionais e estabelecimentos em PBMR.  E os limitados centros que poderiam acessar a Ketamina teriam seus próprios problemas em manter os registros sobre o uso dessas drogas “enquadradas”.

Caso semelhante aconteceu com a Morfina na Índia, após ela ser “enquadrada”. Os profissionais começaram a ficar preocupados com as possíveis repercussões legais do uso da Morfina e simplesmente pararam de prescrevê-la, com seu uso caindo cerca de 97%. Com isso, a produção de morfina diminuiu muito, e, hoje, há uma certa falta mundial de morfina. Como não existe alternativa segura à Ketamina, não podemos deixar isso acontecer!

#KetamineisMedicine é a hashtag do movimento! Quanto mais vozes se juntarem e demonstrarem que a Ketamina é um remédio imprescindível maior a pressão sobre a tentativa de classificação da Ketamina! Ajude conversando com colegas, deixando seu depoimento no site e espalhando a verdade sobre o uso da Ketamina!

Para maiores informações, materiais de campanha, como ajudar o movimento, acesse o site da WFSA: http://www.wfsahq.org/ketamine

Fatos nus e crus:

  • Menos de 15% dos anestesistas trabalham em PBMR
  • 2 bilhões de pessoas em áreas rurais de PBMR já não tem acesso a remédios básicos.
  • 70% dos hospitais em PBMR tinha acesso a Ketamina. Acesso a oxigênio estava presente em apenas 48% deles.

 

Porque anestesia segura salva vidas!

Ketamina é Remédio!

 

Fonte: WFSA, Ketamine is Medicine campaign

 

A Teoria da Educação para o Clínico

Estamos às vésperas de mais um COBEM – Congresso Brasileiro de Educação Médica – que esse ano chega à sua 53ª edição, trazendo o tema: “Educação Médica e Cuidados na Saúde: Uma Rede em Movimento”.

Todo ano temos mais uma edição desse importante meio de discussão à respeito do modo como podemos melhorar a educação médica brasileira. Entra ano e sai ano, temos mais um COBEM, mas parece que muito pouco avançamos. A percepção é de que o ensino médico continua engessado, parado no tempo. Currículos defasados; métodos de ensino ineficientes; professores doutores leitores de slides; carga horária excruciante com pouco tempo para o estudo livre; atividades extracurriculares não valorizadas; pesquisa, iniciação científica relevadas a um segundo plano; provas que englobam puro decoreba; pouca valorização da prática. E, para fechar esse panorama, provas de residência, cerejas desse bolo, que basicamente reforçam tudo o que há de ruim no ensino médico.

Mais do que apenas criticar, no entanto, o TraumaOne preparou um presente para todos os educadores, professores, acadêmicos de medicina, médicos, residentes, preceptores e staffs que de uma forma ou de outra estão incluídos nesse processo mágico que é o ensino da Medicina.

Realizamos a tradução da transcrição de uma palestra ministrada pelo Professor Jonathan Sherbino durante o congresso SMACC – Social Media and Critical Care – que busca subverter o modo tradicionalista das conferências médicas e divulgar a filosofia FOAM – Free Open Access Meducation. O TraumaOne estará no #smaccDUB, que será realizado ano que vem em Dublin, trazendo as novidades na íntegra aqui no blog.

Jonathan Sherbino, MD, MEd, FRCPC, FAcadMEd é professor associado de Medicina de Emergência da Universidade de McMaster no Canadá, é Cientista Adjunto do Program for Education Research & Development e Educador Clínico Sênior do The Royal College Physicians & Surgeons of Canada, além de editor associado para educação do Canadian Journal of Emergency Medicine.

Sua palestra, na íntegra, encontra-se no Intensive Care Network.

E a transcrição, aqui apresentada traduzida de maneira livre, encontra-se no seu blog.


A TEORIA DA EDUCAÇÃO PARA O CLÍNICO

por Jonathan Sherbino

“É uma tarefa boba destilar o campo da educação médica e a disciplina de psicologia cognitiva em uma lista com Top 10 teorias essenciais. É normal pedir para um intensivista listar 10 diagnósticos possíveis que abrangem sua prática. Ainda assim, é exatamente isso que vamos desconstruir hoje. Então, para a surpresa e absurdo de todos, aqui está um Top 9…

COMO APRENDEMOS

  1. Conhecimento é construído, não transferido

Como educadores clínicos, muitos dos nossos métodos de ensino assumem que nós precisamos apenas entregar dados por meio de palestras, slides, vídeos, ect. que seriam simplesmente baixados (downloaded) na mente dos nossos alunos. Essa analogia infeliz com a ciência da computação (que ironicamente, rapidamente tenta adotar a razão humana por meio da criação da inteligência artificial) já caiu por terra há muito tempo. O aprendizado NÃO é uma função de “drag ‘n drop”, copiar e colar. Pelo contrário, o aprendizado envolve:

  • Estímulo
  • Codificação
  • Recuperação

A teoria modal da memória (Atkinson & Shriff) sugere que a memória é construída via uma série de caches ou de armazéns. Uma grande quantidade de estímulos ambientais são processados inconscientemente por um armazém sensório (com cada sentido tendo um armazém próprio). A atenção a um estímulo pela “memória de curta duração” permite a codificação em uma memória de longa duração, onde o conhecimento é predominantemente construído de um modo semântico.

Baddeley & Hitch avançaram com a teoria de memória de curta duração (renomeada à memória de trabalho) para mais eficaz e efetivamente explicar o fenômeno observado.

Certamente ainda existem teorias que competem entre si de como a memória funciona. A teoria modal da memória é frequentemente criticada por seu design simplista/linear. No entanto, o ponto principal é que cada aluno constrói de forma ÚNICA o conhecimento (função da representação semântica).

  1. Conhecimento é construído socialmente

O trabalho influente de Berger & Luckman sugere que, em todas as facetas da vida (e certamente relevante no ambiente multidisciplinar dos profissionais de saúde e sua educação), nossos ambientes sociais (profissionais e grupos de convivência) influenciam nossa atenção, percepção, codificação e representação semântica do conhecimento. Mas será que realmente existe uma verdade universal? Talvez se perguntarmos a Descartes? Essa é uma polêmica que eu não vou entrar aqui nessa palestra.

  1. Flash cards (relembrar) são o modo mais eficaz de estudar

Essa informação está destrinchada no episódio 10 do Podcast KeyLIME (Key Literature in Medical Education) onde há a discussão sobre o artigo de Karpicke e colegas: “Retrieval Practise Produces More Learning than Elaborative Studying with Concept Mapping”.

COMO NÓS ENSINAMOS

  1. Sequenciar informação é a chave

Ao contrário da opinião geral, palestras não são uma coisa ruim. Palestras podem promover uma estrutura organizacional para tópicos complexos e ajudar a moldar o aprendizado futuro. Palestras podem também induzir uma conexão emocional entre um público e uma ideia, como um meio para efetuar uma mudança. Para que esses aspectos da palestra sejam alcançados, o sequenciamento da informação precisa ser levado em conta.

Primeiro, o “serial position effect” ou efeito de posição seriada, sugere que itens que são abordados no começo e no fim de uma série são mais bem relembrados.

Segundo, o efeito de von Restorff sugere que itens inusitados são melhor relembrados.

Então, se você sequencia a entrega de informações em pequenas partes, com “Wake ups” cognitivos – despertares cognitivos – (itens inusitados), você será um palestrante mais bem efetivo. TED descobriu isso (ou melhor, roubou a ideia de pastores evangélicos) quando eles limitaram as palestras a 15 minutos e integraram com vinhetas interativas durante a narrativa.

  1. Ativação Emocional é a Chave. Nem muito, nem necessariamente apenas positiva.

Posner, Russel & Peterson em um artigo de revisão (publicado na ameaçadora revista Development and Psychopathology) sugerem que excitação /ativação são necessárias para otimizar o aprendizado. O aprendizado pode ocorrer em valências positivas e negativas (tipos de emoção, por exemplo). Em outras palavras, faça com que seus ouvintes estejam engajados (excitados ou estressados) mas não abuse tanto de forma que eles fiquem emocionalmente saturados e incapazes de aprender. Existe uma base neurofisiológica para isso, mas está além do escopo desse post. (Papo sobre dopamina, cortisol, ect.)

  1. Construa sua aula de uma forma espiral; fortaleça-a em experiências autênticas

O modelo experimental do aprendizado de Kolb sugere que experiências autênticas são mais impactantes que abstratas. Além disso, uma experiência serve de base para a próxima, resultando em um maior “insight” e maior profundidade do entendimento. A ênfase no aprendizado baseado no trabalho pela educação médica baseada em competências é fortemente influenciada por esse princípio.

MITOS

  1. Estilos de aprendizado precisam ser abordados

Na verdade, provavelmente os professores devem ignorar estilos de aprendizado. [O que são estilos de aprendizado? Aquela história de: eu sou mais visual, fulano é melhor lendo, outro é melhor ouvindo] Certamente, um currículo efetivo (ou palestra, por exemplo) empregam várias técnicas para atingir o público (como demonstrado nos itens #4 e #5 acima). Entretanto, a busca por um método institucional feito sob medida para determinado estilo de aprendizado declarado, será um péssimo investimento.

Pontos-chaves incluem:

  • Diferenças na cognição são contínuas, não são nominais ou categóricas como sugerido pelos estilos de aprendizado
  • Existem mais de 70 estilos de aprendizado descritos. Diferenciação dentre essa classificação excessiva não é prático
  • Dados que apoiam os estilos de aprendizado são predominantemente baseados em self-reports ou dados retrospectivos
  • Não existe correlação forte entre a correspondência ao estilo de aprendizado por métodos de ensino e resultados

Para mais nesse tópico, confira o episódio 51 do podcast KeyLIME onde o artigo: “Do Learners Really Know Best? Urban Legends in Education.” por Kirschner e colegas.

  1. Multi-tasking melhora eficiência (e é um atributo dos Homo zappiens, nativos digitais).

A atenção consciente a duas tarefas complexas, simultaneamente, não é possível. A capacidade da memória de trabalho (memória de curta duração) (capaz de segurar 7 +/- 2 itens, sugerida por Miller) é rapidamente saturada. Antes, quando colocado frente à múltiplas tarefas, apenas uma pode ser conscientemente atendida, enquanto a outra é autômata. Para duas tarefas complexas serem concluídas simultaneamente, alternância rápida entre elas é necessária. Esse processo rapidamente introduz erro na equação. Então, mandar um wpp para um amigo durante uma reunião de grupo (duas tarefas complexas) significa que uma ou ambas as tarefas sofrem (e é sempre a participação na reunião que sofre mais).

  1. A Teoria do Aprendizado do Adulto é uma teoria verdadeira

A Teoria do Aprendizado do Adulto, influenciada fortemente por Malcolm Knowles, sugere que adultos têm habilidades e capacidades únicas que precisam ser levadas em conta pelo currículo. O problema é que essas afirmações não são apoiadas por evidência empírica. Pelo contrário, adultos e crianças são de difícil distinção em termos de processos cognitivos ou de aprendizado. Educadores Clínicos, eu inclusive, iríamos fazer bem de seguir a literatura da educação geral (ensinos fundamental e médio) para compartilhar sobre como realizamos a educação médica na graduação e na pós-graduação.

Para uma maior discussão a respeito da Teoria do Aprendizado do Adulto, confira esse link.

Para uma excelente revisão de uma gama de teorias do aprendizado relevantes para a educação dos profissionais de saúde, Regehr e Norman nos proporcionam uma sensacional narrativa de revisão.”


Eu gostaria que essa palestra fosse obrigatória para todos os professores das faculdades de medicina do Brasil.

A mudança na educação médica brasileira é imprescindível e urgente. Acima de tudo, como disse Gandhi, precisamos ser a mudança que queremos ser no mundo. Quando formos apresentar um trabalho ou seminário, preparar uma aula, precisamos pensar em fazer diferente. Não em copiar métodos engessados e tradicionais. Inovar para proporcionar a mudança!

“Education is not the filling of a pail, but the lighting of a fire.” – Willian Buttler Yeats

Qual a sua opinião?

BLS 2015 para mortais

As novas recomendações da American Heart Association saíram semana passada e preparamos um resumo comentado bem direto ao ponto sobre os principais itens!

Nesse post falaremos sobre as recomendações a respeito do BLS – Basic Life Support – ou SBV – Suporte Básico de Vida. Tanto para leigos, quanto, principalmente para profissionais de saúde, o BLS já foi provado inúmeras vezes que salva vidas.  Fizemos um resuminho com os principais itens das novas Guidelines, aproveitando para relembrar os conceitos consagrados do BLS, o que sempre é útil. Estudos têm demonstrado que é importante estar sempre voltando a conceitos básicos, pois o conhecimento e as habilidades se vão com o tempo. Por outro lado, estudantes de medicina muitas vezes não recebem esse treinamento importantíssimo na grade curricular de suas faculdades (se lá fora isso foi provado, imagina aqui no Brasil…). Precisamos estar sempre atualizados para garantir o melhor atendimento possível aos nossos pacientes! Vamos então aos principais pontos do BLS 2015:

  • Desfibriladores Externos Automáticos (DEA) de Acesso e Uso Público

O guia de BLS – Basic Life Support – para adultos colocou uma recomendação forte a respeito da necessidade de Desfibriladores Externos Automáticos em lugares de grande circulação de pessoas: Metrôs, Shoppings, Aeroportos, Rodoviárias, Praças, ect. Além disso, eles preconizam uma integração direta do sistema dos DEAs com o acionamento direto de uma equipe pré-hospitalar, que seria o nosso SAMU192. Por que isso? Ora bolas, porque os últimos estudos demonstraram que existe uma clara evidência de aumento de sobrevivência de uma parada cardiorrespiratória (PCR) fora dos hospitais, quando transeuntes, pessoas normais, leigos, iniciaram rapidamente a Massagem Cardíaca e realizaram a desfibrilação por meio do DEA. A pergunta que fica é se isso algum dia será a realidade em terras canarinhas. Temos alguns poucos DEAs em alguns aeroportos. Só alguns. Mas já é um começo. Vamos torcer e pressionar para que essa realidade mude.

  • Identificação do Regulador na Central de Respiração em Peixe Fora D’água

Para ajudar os leigos a identificarem um ataque cardíaco, os reguladores das centrais de emergência, nossos amigos telefonistas do SAMU192, precisam perguntar sobre o grau de responsividade da vítima e também sobre respirações. Se as respirações estão anormais e a vítima está sem resposta à estímulos, desacordada, os telefonistas precisam assumir que a vítima está em PCR e enviar uma equipe de socorristas profissionais o mais rápido possível, de preferência, capazes de realizar manobras avançadas de reanimação. Além disso, eles precisam instruir ao contactante sobre como iniciar a massagem cardíaca na vítima. Estudos demonstraram que quando mais cedo iniciarem as compressões, melhor a sobrevida das vítimas de PCR.

  • ÊNFASE NA MASSAGEM

Colocamos em letras garrafais e negrito porque é necessário dar ênfase a esse tema. Qualquer pessoa, seja ela profissional da saúde ou leigo, precisa iniciar as manobras de massagem cardíaca na vítima, assim que a mesma for identificada como em PCR. Desde 2010 já existe uma ênfase grande apenas com compressões, apenas na massagem, pois estudos demonstraram que a sobrevivência de adultos em PCR que receberam apenas massagem e pessoas que receberam massagem + respirações foi similar. Além disso, diminuiria o risco de exposição a fluidos corporais,  diminuindo-se a resistência dos leigos em ajudarem instantaneamente a vítima. As compressões devem ser iniciadas em uma razão de 30:2. 30 massagens e 2 respirações, se o socorrista/leigo estiver ou se sentir apto a realizar as respirações. A massagem por leigos deve continuar até que a vítima acorde e comece a se mover ou até a chegada da equipe do SAMU ou do Desfibrilador Automático Externo, onde se deve deixar o equipamento trabalhar para analisar o ritmo e indicar ou não o choque.

  • Ritmo das Compressões

A guideline de 2010 preconizava o: “Aperte forte e aperte rápido”, no mínimo de 100 massagens por minuto. O que se sabia é que quanto mais massagens por minuto, melhor a sobrevivência da vítima e melhores os resultados neurológicos. Menos compressões, piores os resultados finais. Pois bem, isso mudou. Como a Medicina é ma ciência viva, novos estudos foram surgindo e, em 2015, a recomendação é que os socorristas devem massagear a um ritmo de 100 a 120 compressões por minuto. Dados preliminares têm sugerido que um ritmo muito elevado ou uma força muito grande pode afetar os desfechos de forma negativa. Tá aí portanto, uma das principais mudanças. Massageie de 100 a 120 vezes por minuto. Isso dá mais ou menos o ritmo da clássica música do BeeGees “Stayin’ Alive”

Mas como nem todo mundo nasceu nessa época, se você está querendo atualizar seu repertório musical, segue algo mais anos 2000.

Tem algum clássico nacional que passa pela sua mente no momento da massagem? Mande para nós!

  • Profundidade das Compressões

“Apertar forte” continua mantido. O que mudou são os limites máximos de pressão que deve-se realizar. Durante a massagem, deve-se afundar o esterno entre 5-6cm, evitando assim uma profundidade muito excessiva, o que um estudo sugere ser prejudicial no que se diz respeito à complicações não letais. A velha história de costelas quebradas. Você preferiria estar morto e com as costelas intactas ou vivo e com algumas quebradas? Então pronto. Ainda assim, o mais importante é apertar forte, pois grande parte dos leigos e até mesmo profissionais de saúde não conseguem realizar a força necessária para a massagem efetiva.

  • Recuo do Tórax

É razoável que os socorristas não fiquem apoiados em cima do peito do paciente durante a massagem para permitir que haja o retorno do tórax à posição normal.  Isso continua desde 2010. E é uma questão de fisiologia e bom-senso simples. Permitindo o retorno do tórax, do esterno, à sua posição normal, cria-se uma pressão negativa dentro do tórax que permite o retorno venoso, enchendo as câmeras cardíacas para a circulação. Não adianta nada ficar massageando um coração vazio.

  • MINIMIZANDO INTERRUPÇÕES DURANTE A MASSAGEM

É mais uma das nossas letras garrafais e negrito, pois é algo que ainda não é muito difundido nem frequente aqui em nosso meio canarinho. Precisa-se sempre maximizar o número de compressões por minuto e evitar ao máximo o delay, as interrupções entre a aplicação de massagem. Isso significa: durante o transporte, massagem. A maca chegou com a vítima parada? Continuando massagem até chegada na sala de emergência. Massagem o tempo todo. A novidade de 2015 é o estabelecimento de uma proporção de no mínimo 60%. Como é feita essa proporção? Tempo de  massagem sobre tempo total das manobras de reanimação. Isso tudo foi elaborado para limitar as interrupções que são muito danosas em termos de sobrevivência e sequelas neurológicas.

  • Choque Primeiro ou Massagem Primeiro??

Para PCR não assistida de adultos, onde um DEA está imediatamente disponível, é razoável utilizar o desfibrilador logo. Onde um DEA não está disponível, nosso caso, infelizmente, é importante massagem mais precoce. Chegou o desfibrilador? Analisar o ritmo e desfibrilar, se indicado. Estudos demonstraram que não existem diferenças significativas de desfechos entre massagear primeiro por um ciclo e depois desfibrilar ou desfibrilar assim que o DEA estiver disponível.

Ficou com alguma dúvida? Não gostou das novas guidelines sobre BLS? Curtiu? Discuta aqui conosco no TraumaOne!

Fonte: AHA 2015. Highlights of the 2015 American Heart Association Guidelines Update for CPR and ECC. https://eccguidelines.heart.org/index.php/circulation/cpr-ecc-guidelines-2/


Esse post inaugurou a sessão para mortais do TraumaOne que, seguindo os preceitos FOAM, tem por objetivo discutir temas complexos da Medicina de Emergência e do Trauma de uma maneira simples, acessível e que, se possível, entretenha o leitor. Afinal somos todos meros mortais no dia-a-dia. De um mortal para outro, facilitando o entendimento, divulgando o conhecimento.

Um pequeno passo…

Existem surpresas nessa vida, fatos que nos fazem manter um pouco de fé no país e, principalmente, nos serviços de comunicação.

A reportagem de hoje sobre os Emergencistas do Fantástico realmente foi um colírio para os olhos. Os médicos não foram tidos como vilões pela imprensa. E o mais importante, falaram dos emergencistas, valorizaram esses profissionais que trabalham na linha de frente do SUS. Profissionais que fazem das tripas coração, se sujeitam a trabalhar em locais sem qualquer proteção ou equipamentos. Se colocam em risco para atender os pacientes, que são os que mais sofrem.

Confira a reportagem no link: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/10/conheca-rotina-de-medicos-que-trabalham-no-setor-de-emergencia.html

A reportagem foi emocionante. Vi ali que o futuro da Medicina no Brasil talvez ainda tenha salvação. A medicina no Brasil finalmente vai começar a mudar.

Pena que o cenário carioca está MUITO longe de ser o retratado na reportagem, como podem ver no link abaixo, postagem que fiz em agosto aqui no TraumaOne. https://traumaone.wordpress.com/2015/08/23/rio-2016/

Ainda há muito o que digerir sobre os programas de residência médica, comentários precisam ser feitos, mas o que posso ter certeza é que hoje foi um marco.

Um pequeno passo para a Medicina de Emergência no Brasil. Um grande passo para a Medicina Brasileira.

Curso TEAM no Salgado Filho!

No dia 07 de novembro acontecerá uma nova edição do curso TEAM no Hospital Municipal Salgado Filho!

O TEAM é Trauma Evaluation and Management, um curso do American College of Surgeons, derivado do ATLS, com foco no trabalho de equipe no atendimento multidisciplinar ao trauma. É pensado justamente para médicos, acadêmicos de medicina e membros da equipe multiprofissional que atendem e recebem o trauma nas grandes Emergências.

curso_team

O curso é dinâmico com aulas teóricas e estações práticas, simulando um atendimento realmente integrado.

Investimento de R$300,00.
Inclui manual do curso e certificação internacional (sujeito a pré e pós-teste).

Inscrições no email: team2015brasil@gmail.com
Vagas LIMITADAS!

Confira o vídeo da edição anterior!

Até lá!

Antes tarde do que nunca!

O dia 16 de setembro de 2015 é um dia histórico para a Medicina Brasileira. Finalmente, depois de muita luta, a Medicina de Emergência foi reconhecida como especialidade médica no Brasil. Estamos atrasados, é verdade, mas, antes tarde do que nunca!

O que antes já era consenso no resto do mundo desenvolvido, hoje passa a ser uma realidade nacional. Não foi com pouca luta. O Professor Herlon Saraiva Martins, Médico Supervisor do Pronto-Socorro do Instituto Central do Hospital das Clínicas da USP e Doutor em Ciências Médicas pela mesma instituição, um dos principais articuladores do movimento não pôde conter sua emoção no Facebook:

Hoje, seguramente, é um dos dias mais emocionantes e mais gratificantes de toda a minha vida.
As lágrimas escorrem, um vídeo se passa do que ocorreu nesses últimos 15-16 anos, lutando por dignidade, respeito e qualidade no atendimento das emergências do Brasil.
Uma profunda sensação de recompensa, de senso de justiça, e que cada sofrimento que nós passamos, cada humilhação, cada menosprezo, assédio no dia a dia, agora tudo isso agora ficou para trás, perdeu sua importância.
Para nós emergencistas, um sonho, uma luta, de quase uma vida, um ideal que parecia impossível, agora é um fato que entrou para a história.
Um senso de dever realizado, uma certeza de que os pacientes serão os maiores beneficiados nos próximos 30 anos.

Muitos outros apoiadores se manifestaram nas redes sociais em grande felicidade devido à esse momento histórico.

Ainda não se tem muitas informações de como o processo de residência médica será realizado, mas deve ser igual aos moldes norte-americanos: 3 ou 4 anos de residência médica. Quais as universidades ou hospitais que abrirão vagas para residência também ainda é dúvida. Mais informações devem ir surgindo nos próximos dias.

A aprovação da Medicina de Emergência como especialidade nos EUA também não foi sem muita luta. O documentário 24/7/365 conta um pouco dessa história. Confira abaixo para se inspirar e ter a certeza de que, em alguns anos, essa será a nossa história:

Rio 2016

22 de Novembro de 1963. O Presidente Kennedy dá entrada no Parkland Memorial Hospital da Universidade de Southwestern com um tiro na cabeça. A história mostra que ele não resiste aos ferimentos, principalmente devido à desorganização das emergências norte-americanas. No final da década de 60, veteranos retornando do Vietnã começaram a falar que tinham melhor tratamento e chance de sobrevivência nas selvas de Saigon do que nas ruas de Detroit. Isso iniciou uma revolução nos EUA com pressão da opinião pública, onde o cuidado com paciente traumatizado e em situação de emergência começou a ser levado a sério.

Em 2015, Parkland Memorial Hospital da Universidade de Southwestern foi totalmente reformado e ganhou uma nova casa como podemos ver no vídeo abaixo.

Enquanto isso no Rio de Janeiro, também em 2015, a Cidade Olímpica de 2016…

Hospital Federal do Andaraí:
http://oglobo.globo.com/rio/justica-condena-uniao-por-problemas-no-hospital-do-andarai-12648969
(Obra que, desde 2012, ainda nem começou, e de novo, é o Hospital de Referência para as Olimpíadas. Piada.)

Hospital Federal de Bonsucesso:
http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2015/05/16/hospital-no-rio-tem-emergencia-funcionando-em-conteineres-ha-quatro-anos.htm
(4 anos de emergência nos conteineres. Outra piada, sem graça.)

Hospital Estadual Rocha Faria
http://blogs.oglobo.globo.com/blog-emergencia/post/com-equipamentos-quebrados-rocha-faria-sofre-com-falta-de-medico-565263.html
(Sem estrutura, como trabalhar?)

Hospital Estadual Getulio Vargas
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/05/funcionarios-do-getulio-vargas-continuam-com-salarios-atrasados.html
(2015, salários atrasados, insumos intermitentes…)

Miguel Couto, Souza Aguiar, Lourenço Jorge, Salgado Filho…
Cansei de procurar de cada um… passe lá e veja por você mesmo.

A “solução” é mandar os turistas da olimpíada para a rede particular?
http://www.blogdogarotinho.com.br/artigo.aspx?id=19143

Porque eu gosto tanto do trauma? Ora bolas, tirando o aspecto médico apaixonante, a adrenalina e tudo mais, uma das coisas que me diverte, eu confesso, é o paciente… Na maioria das vezes ele é aquela pessoa de classe média, com plano de saúde que nunca pisou em um hospital público, vem pelo bombeiro e dá de cara com o Pronto-Socorro, inferno na terra (e por falar em inferno, não vamos nem falar sobre o Hospital da Posse, referência da rodovia Dutra). Fica assustada e quer transferência o mais rápido possível. Aí esbarra no Plano, que demora a transferir, fica P da vida, mas faz todos os exames pelo SUS e vai para casa, horrorizada, porém, viva. E nunca mais pisa no SUS ou quer saber do SUS. Reclama mais do plano, do que das condições de atendimento. Afinal “Saúde pública é assim mesmo”. Isso quando o Sistema não o mata ou a velocidade não foi fatal.

Choque de realidades.

Esse é o país que cediou a copa. Essa é a cidade que cediará as Olimpíadas. Esses são os hospitais que vão cuidar de você se você sofrer um acidente na rua. Ficou assustado? Deveria.
Luciano Hulk e Angélica foram pro SUS. Cristiano Araújo também.

Por que não temos um Parkland Memorial Hospital da Universidade de Southwestern padrão para o SUS? Por que nossos Hospitais Universitários não tem emergência (e se orgulham disso?)?

Eu tenho minhas teorias. Uma delas é porque Deus é brasileiro ou melhor, carioca. Se aqui tivesse desastre, furacão, terremoto, tsunami, terrorismo, bomba, mas bomba mesmo, (tiro, facada e granada são partes integrantes do pacote ser carioca) talvez levassem mais a sério a importância de um atendimento de emergência organizado. E também de um ensino de emergência, né? Ou não né?

Já que ninguém quer que pessoa que vá atender uma emergência médica seja um especialista em emergências médicas. Isso não precisa de especialista, segundo a Sociedade Brasileira de Clínica Médica. O mundo desenvolvido todo diz que precisa, mas o Brasil é diferente. Afinal não somos o mundo todo…
http://www.sbcm.org.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=1691:prioridade-a-medicina-de-urgencia-e-emergencia&catid=84:opiniao&Itemid=135

Ou mudamos, ou vamos continuar receber em um único hospital, já abarrotado de gente, 47 pacientes em menos de 1h, vítimas de uma colisão ônibus x ônibus.
Ou mudamos, ou nas próximas boates que pegarem fogo, continuaremos a bater cabeça e assistir jovens queimados agonizando sem o mínimo de dignidade.
Ou mudamos, ou nas próximas chacinas de Realengo ou Osasco, continuaremos a perder vidas que poderiam ser salvas com o atendimento sistematizado, organizado e rápido, aprendido no Iraque e Afeganistão.

21 de abril de 1985. O presidente Tancredo Neves morre após ser internado no Hospital da Base de Brasília (SUS) e depois transferido para o Hospital das Clínicas de São Paulo (SUS) com complicações diversas de um quadro abdominal agudo. Desde então, ao invés de mudarem o atendimento de emergência no Brasil, nossos governantes procuram o Israelita Albert Einstein para qualquer indisposição.

Em 2015, Hospital Estadual Carlos Chagas:
http://globotv.globo.com/infoglobo/extra-noticias/v/emergencia-do-hospital-estadual-carlos-chagas-funciona-de-forma-caotica/4159145/

O pior do Brasil é o brasileiro.

Um sorinho não dói?

“Um sorinho não faz mal a ninguém.”

“Dotô, vim aqui pra tomar um soro.”

“Não vai nem me dar um soro, doutor?”

“Doutor, o soro acabou!! Não vai colocar outro não?”

O soro virou sinônimo de saúde. Símbolo do cuidado médico e da hospitalização. Muitos anseiam por ele, enquanto outros os prescrevem como água.

“Grande parte dos pacientes que estão internados estão hiperhidratados.” já dizia um grande professor meu.

Ringer ou soro? Sangue ou soro? Plasma? Será que tanto faz? E os coloides? Oligúria = hidratação? A lei de Starling ainda é válida? Existe um fluido ideal? Soro não mata ninguém… será?

Tentando responder essas perguntas e fazendo uma revisão pela história da medicina e da fisiologia, o professor John Myburgh, diretor da divisão de Cuidados Intensivos e Trauma do George Institute of Global Health, professor de Cuidados Intesivos da Universidade de New South Wales e um dos principais pesquisadores no assunto, autor de diversos estudos sobre o uso de diferentes tipos de fluidos, apresentou uma palestra sensacional que deixa uma pulga atrás da orelha sobre as atuais condutas no PS e na UTI.

O sotaque é difícil de entender, mas o conteúdo é simplesmente inquietante.

Confiram e questionem!

http://intensivecarenetwork.com/myburgh-fluids-2015/

Imagem por Brian K

Ao Trauma1!

Trauma1 foi criada com o intuito de abraçar os princípios do FOAM – Free Open Acess Meducation – trazendo-os para a realidade brasileira, discutindo assuntos sobre Trauma, Medicina de Emergência e Cuidados Intensivos.

FOAM é uma iniciativa internacional, criada por médicos de emergência e intensivistas australianos, ingleses e americanos que passaram a questionar a necessidade do aproveitamento das redes sociais de modo a treinar acadêmicos, residentes e médicos mais jovens, saindo do isolamento da profissão.

If you want to know how we practiced medicine 5 years ago, read a textbook.
If you want to know how we practiced medicine 2 years ago, read a journal.
If you want to know how we practice medicine now, go to a (good) conference.
If you want to know how we will practice medicine in the future, listen in the hallways and use FOAM.

— from International EM Education Efforts & E-Learning by Joe Lex 2012

Sendo suportada por uma extensa literatura jovem, e ainda em desenvolvimento, acreditamos que a filosofia do FOAM veio para ficar e estamos dando o pontapé inicial inaugurando a primeira página dedicada ao FOAM do Brasil.

Sua proposta principal é estimular uma discussão de qualidade e acessível, discutindo artigos científicos, compartilhando truques e dicas, mas acima de tudo, criando um ambiente de aprendizagem descontraído e pessoal.

Com isso lançamos a #FOAMedBRA. Junte-se a nós e à essa discussão!

Para saber mais sobre FOAM acesse: http://lifeinthefastlane.com/foam/

Bem-vindo ao novo mundo! A medicina do século XXI começa hoje!